sexta-feira, 31 de julho de 2009

Mais vale um diploma na mão do que um jornal voando

O jornalismo foi desregulamentado. Podemos fazer uma comparação com um fato da vida de Mário Quintana. O poeta, apesar de seus fantásticos poemas, jamais foi aceito na Academia Brasileira de Letras. João Chagas Leite, em honra a Quintana, canta: “[...] a academia é só mania de quem tem plata”. Agora, parece que a mania dos que têm plata é perseguir os jornalistas. Para isso, foi dito que qualquer pessoa pode exercer a profissão, só é preciso ter o dom da escrita, ou seja, a academia é só mania de quem não tem talento.

A ABL perdeu a chance de ter o pássaro na mão. A conseqüência foi óbvia: a Ave Sonora voou, ficou marcada em nossa história e, com poesia, esculachou a Academia.

Ao contrário do ocorrido com o poeta gaúcho, o momento exige apoio à academia. As disciplinas teóricas, exigidas para a formação, dão ao acadêmico sua base intelectual, o que o difere dos outros “profissionais” da área. O diploma é essencial para um jornalista, para termos informação de qualidade. O estudo é a chave para que a imprensa não seja tomada por “jornaleiros”. Estamos sendo desvalorizados como foi Mário Quintana. Todavia, sabemos que todos estes que aí estão atravancando o nosso caminho, eles passarão, nós passarinho.

O contra-ataque do zumbido




Era a última aula de Sociologia da Comunicação no semestre. O ritmo, no entanto, não diminuiu em relação àquele com o qual me acostumei a ter nas quintas-feiras do semestre inteiro: temas densos, mas pontuados com muitas referências, fossem televisivas, literárias, cotidianas. Falava a professora VENEZA MAYORA sobre um canal da TV paga – ela não identificou qual – que mostrava um documentário sobre a montagem do show dos Rolling Stones no Rio de Janeiro. Os organizadores norte-americanos criticavam os trabalhadores brasileiros contratados que, a cada vez que passava uma mulher bonita na praia, paravam o trabalho para observar. Depois ainda demoravam em voltar às suas tarefas: imaginemos a freqüência com que isso acontecia, em plena Copacabana. Dizia ela que era um absurdo os organizadores criticarem o modo de, digamos, o brasileiro apreciar a própria beleza brasileira. “É um modo colonial de nos olhar. Nós, os tropicais”, dizia ela (nós, locados na boca dos montes santamarieses, tropicais? Quanto temos de identificação com a brasilidade dos trópicos, nós aqui abaixo do paralelo 30? Mas essa discussão fica para uma próxima).


Fiquei com a idéia em suspenso, até me deparar com um comentário da coluna de Mário Marcos, na Zero Hora, ainda sobre a Copa das Confederações. Sim, ela já acabou há mais de mês, mas requento aqueles episódios para falar de outras cositas. Admito não ser leitora assídua do caderno de esportes, excetuando as colunas do David Coimbra, que fala de futebol só no último parágrafo. Naquele dia, no entanto, não foi só sobre placares e dribles que tratou a coluna: falava Mário sobre as equipes de TV da Holanda que procuraram o presidente da FIFA para pedir que as vuvuzelas (palavra zulu que significa ‘fazer barulho’), as de fato barulhentas cornetas usadas pelos sul-africanos fossem proibidas. Simples assim: a esmagadora maioria dos sul-africanos leva suas vuvuzelas aos estádios, gosta delas, adora fazer barulho com elas, e aí os Holandeses querem silêncio e pedem que a FIFA as proíba. Os jornais daquele país reagiram, criticando a soberba holandesa e ainda fecharam com: - Não gostaram? Voltem pra casa. Fez bem a imprensa sul-africana, dizia Mário Marcos. E o presidente da FIFA, suíço com toda diplomacia, não proibiu coisa alguma, ainda declarando que “Censurar a forma com que alguém expressa sua alegria é discriminação”.


Claro que há, em certos casos, um certo nacionalismo burro, uma defesa automática. No colégio em que eu estudava, certa vez uma intercambista escandinava reclamou que os carros em Santa Maria nunca paravam para que os pedestres pudessem atravessar a rua. Um colega, num arroubo, disparou que “ela é uma enjoada, quer sempre as coisas do jeito dela, aqui é nosso país”. Mas a verdade é que eu também sentia isso, que talvez fosse melhor se os motoristas fossem mais educados, afinal admirávamos as cidades em que a civilidade se traduzia no trânsito e por aí vai. Não era simplesmente uma questão de preferência da garota, ou mera tolerância a costumes, mas verdadeiramente uma questão de segurança e de educação. Contra esse tipo de reação irrefletida, precisamos lutar contra: o primeiro passo para superar o subdesenvolvimento é ter consciência dele.


Ah, mas as cornetas são chatas mesmo, suspiraria alguém. Não duvido: meu vizinho de 7 anos tem uma corneta, uma só, soprada com a capacidade de um pulmão de criança e ela incomoda o suficiente. Mas não é isso que está em questão. A pergunta não é: “nós gostamos das vuvuzelas?” e sim: “nós podemos pedir isso?”. Estamos falando de outra coisa: respeito. Se no exemplo da professora se poderia pôr em questão se era mesmo um ‘modo colonial’ de olhar para os brazucas ou se os caras estavam dando mesmo uma de folgados (já que estavam em serviço) curtindo o clima praiano, na atitude em relação aos sul-africanos é um colonialismo flagrante. Nós mesmos, apesar do complexo de vira-lata, em se tratando do continente-mãe, também olhamos de uma forma distorcida: quantas vezes já ouvimos o senso comum falar sempre África, como se fosse um país, esquecendo que é um continente enorme, cheio de particularidades. E fazemos o mesmo com Paraguai, Uruguai, Bolívia: olhamos de cima para baixo. São questões delicadas, há que se ponderar, sempre, sempre.


E enquanto baixava a poeira da polêmica, os sul-africanos criaram a kuduzela. Uma ótima e barulhenta Copa de 2010 para todos nós!


[Texto publicado anteriormente em http://www.futebesteirol.blogspot.com/ ]

terça-feira, 28 de julho de 2009

Não se corrompam!

Caros colegas, amigos e algum eventual curioso que venha a ler este post do blog d’Os Coiós. Vim pedir a vocês um simples favor: Não se corrompam.

Hoje à tarde, assisti ao documentário Sicko, do levemente sensacionalista, porém extremamente inteligente e perspicaz Michael Moore. O documentário apresenta o descaso vivido pela saúde norte-americana, causado pelos planos de saúde extremamente capitalistas e a falta de um acesso universal à saúde pública e gratuita (pra quem ainda não assistiu, altamente recomendável). O diretor compara a saúde dos EUA a os sistemas de saúde canadenses, ingleses, franceses e até da pequena Cuba, trazendo à tona uma alarmante discrepância. É de desanimar, mesmo sendo com os ianques.

Isso me fez refletir sobre o nosso famigerado Sistema Único de Saúde. Constitucionalmente, todos nós, como brasileiros, povo heróico, gigantes pela própria natureza, temos direito à maior parte de nossas necessidades salutares totalmente free. Uma beleza, coisa linda. Infelizmente, sabemos que não é assim que funciona. Por quê? Sucateamento da infra-estrutura, escassez de recursos humanos... em síntese: falta investimento.

Ainda no final da tarde, pra aumentar meu desânimo com o mundo, descobri que o prefeito de Ibirubá (que eu ajudei a eleger, depositando toda minha vã confiança naquela urna) teve seu mandato cassado, em última instância, por compra de voto.

Questiono: Existem ainda pessoas que entram na política por um ideal de mudança social, diferente daquele ideal de acumular bens às custas da máquina pública? Existem políticos que alcançam seus cargos de forma lícita e pura? E questiono mais: Com todas as riquezas que esse nosso país de extensões continentais possui, porque não podemos ter um sistema de saúde público em pleno funcionamento, universal e igualitário, como a pequena e ex-embargada Cuba tem?

Corrupção. Eis o motivo dos meus questionamentos. Se pagamos impostos suficientes para bancar os custos de uma saúde e demais atribuições estatais dignas, não as temos por que o dinheiro vai pra Brasília com passagem só de ida. Não temos administrações públicas exemplares e promessas cumpridas porque o poder corrompe os ideais de nossos representantes. E o pior de tudo é que não temos moral para reclamar. Nós nos corrompemos nos menores atos, com trapaças, favorecimentos e mentiras. A corrupção está intrínseca desde a base até o topo da pirâmide social.

E é por isso que eu peço, imploro: não se corrompam. Mantenham se honestos sempre que possível, e mantenham sua honra intacta, por mais que teus representantes não o façam. Já pedi isso pra mim, e vou me policiar. Ainda acredito em um mundo honesto. Sou utópico? Já disse Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Além do mais, eu, e suponho que vocês também, entrei no curso de jornalismo com um objetivo, que vim a descobrir recentemente: conscientizar pessoas e, de grão em grão, mudar o mundo. Ou talvez Ibirubá. Ou pelo menos a sala de aula.


Um abraço e bom resto de férias a todos, deste levemente abalado colega, HAHAH.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Testemunho de uma expedição oriental - I

Os causos que rondam a gripe suína me assustaram. Ouvi boatos de pessoas aterrorizadas em Quaraí. Lendas sobre insanidade nas avenidas de Santiago e confusão completa no Alegrete. Decidi tomar uma atitude. Chegara a hora de rumar ao Uruguai. Porque não há nada mais esclarecedor do que conhecer os abalos desde o seu epicentro. Caminharia pelas nebulosas calles de Montevideo sob garoa fria, em clara afronta ao maldito vírus. Participaria do secular ritual do mate oriental para desmitificar certas historietas. Atestaria, enfim, com a exatidão de quem viveu no osso, que a gripe suína é um exagero dos mais brutais. Na verdade, a viagem já estava marcada, o hotel reservado e as almas à espera. E este é o relato de uma jornada que ocorreu APESAR das epidemias mundanas.

O trajeto tinha algo de inusitado: Santa Maria – Pelotas – Chuí – Montevideo. Por que Pelotas, se por Rivera as distâncias seriam bem menos opressoras? O motivo do desvio de rota (são tão normais...) chama-se Riograndense Futebol Clube. E o tal motivo venceu o Esporte Clube Pelotas nas cercanias das charqueadas de outrora. Mas isso pode ser melhor detalhado, in loco, para os que se interessam pelo futebol mais distante dos holofotes. Voltemos para el viaje. De Pelotas ao Chuí, é preciso superar uma reta que surge como interminável. Quilômetros e mais quilômetros de capivaras mortas na beira da pista (caminhões noturnos destroem a biodiversidade da reserva do Taim), de bolichos escassos e de coqueiros que sobreviveram ao vento frio do inverno pampeano.

Mas o Chuí é alcançável, e lá chegamos. Para ultrapassá-lo, é necessário obter a permissão para adentrar as terras uruguaias. Nada de muito rigoroso. Principalmente quando os aduaneiros parecem ostentar um humor ao menos aceitável. E o rigor inexiste porque o Uruguai necessita de turistas. Brasileiros, argentinos, chilenos e peruanos deixam parte do conteúdo de suas carteiras em Montevideo, Punta del Este e Piriápolis – alimentando a economia de um país pequeno, envelhecido e que busca a confortável situação financeira do início da década passada, quando era tido como a “Suíça da América do Sul”. (Ápodo bastante IRREAL, já que os uruguaios não se suicidam no inverno e tampouco são famosos pela neutralidade existente nos alpinos). Dado o oquei, iniciava um longo trajeto pela banda oriental.

O primeiro destino merecedor de uma parada foi a Fortaleza de Santa Teresa, construída por Assis Chateaubriand em meio ao infindável lucro da TV Tupi, nos meados dos anos cinquenta. Mentira. A fortaleza foi erguida no século XVII e alternou entre o domínio de portugueses e espanhóis. O forte tem clara importância histórica, mas não exageremos a ponto de incluir detalhes, datas e nomes de generais de antanho no texto. Até porque exigiria uma pesquisa assaz inútil para a ocasião. Fato é que o local é bastante fotogênico, como CONSTA no retrato que colore o texto, e abriga um dos maiores museus militares da República Oriental d'Uruguai. O militarismo uruguaio, aliás, é questão realmente interessante: a pequena extensão geográfica do país só não foi menor porque, desde sempre, os uruguaios a defenderam com unhas e foices (?) em tratados mais exaltados e conflitos realmente sangrentos. Daí a importância do exército nacional. O outro lado da moeda aparece em período mais recente, o da ditadura militar, o qual logo adentraremos.

Após a entrada do forte, que pertence a cidade de Castillos, surge um estranho aviso na rota cujo destino é a Capital. Em duzentos metros, conta a placa, a pista servirá também para POUSOS DE AERONAVES. E é tudo real. A estrada se torna incrivelmente larga e a ameaça de um avião disputando espaços na rodovia fornece uma profunda tensão àqueles instantes. Por algum tempo, um pedaço de asfalto pode abrigar carros, caças e coelhos que teimam em atravessar a pista na partícula mais perigosa do universo. Pensei em relacionar tudo isso à democracia de Tabaré Vázquez, mas fica para a próxima. Os aviões não surgem, a estrada encolhe e a normalidade volta a imperar no bucólico Interior uruguaio. Rocha, a capital do departamento que leva o mesmo nome, é a única cidade MÉDIA em um raio gigantesco. Sobre Rocha, posso contar que em uma rádio AM da cidade os belos acordes de “Chora, me liga!” davam sinais de poderosa influência brasileira. Não deveria ter contado.

O percurso inicial era litorâneo, mas do Chuy uruguaio em diante, a Ruta 9 ENVERGA para dentro. A beira do mar nessa região é território quase inalcançável – a começar por Cabo Polonio, localidade presente nas canções de um certo Jorge Drexler, cantautor consagrado (?) pela turma. O acesso só se faz possível com um feroz veículo dotado de 4x4, algo que logicamente não era o caso do carro em que viajei. Horas mais tarde, acordei em Punta del Este. A melancolia da vastidão platina é de uma sonolência increíble, acreditem. Punta, para os desavisados, é o paraíso aquático dos novos ricos do Sul. Mansões beijam a areia antes pisada por moluscos inofensivos. Muito porque é um cenário, dizem, espetacular. Estive lá e não posso concordar ou rechaçar. Simplesmente não vi. Um temporal expurgava os turistas da praia, e a neblina transformava a visão além-mar em pura ilusão. Posso afirmar que definitivamente não nasci para Punta del Este.

Punta dista uma hora de Montevideo, ao menos por vias terrestres. E a recepção chuvosa se repetiu na Capital. Com tempo bom, é possível até avistar as luzes de La Plata, na Argentina, quando se mira o Rio da Prata. Mas o fog uruguayo impedia visões com ousadia superior a dez metros. Com horas e horas de viagem nas espaldas, a noite se restringiu a visitar um shopping próximo e degustar o mais popular dos chivitos do cardápio. Tudo na sexta-feira. O sábado matinal foi de passeios pelo Bairro Sur até a Ciudad Vieja. O primeiro, conforme informações anteriormente coletadas nesse rincão infindável que é a internet, seria o bairro dos negros de Montevideo – quase um gueto. As construções seriam peculiares e mais singelas. Por ser feriado (18 de julho, dia do juramento da primeira constituição do país), inexistiu movimentação nas calles, como mostra a fotografia. Na Ciudad Vieja, até os muros TRANSBORDAVAM política. Mensagens pró-Honduras, desaforos dirigidos ao atual governo, contestações múltiplas e variadas que vez que outra atingiam até o plano espiritual (foto).

A maior parte das pichações, porém, recordava o período da ditadura militar. Os milicos herdeiros de Artigas foram menos discretos que os responsáveis pela matança no Brasil ou na Argentina, para ficar apenas com a repressão no Cone Sul. Por aqui, os desaparecidos quedaram bem escondidos por bons anos, enquanto que em terras portenhas os voos da morte tratavam de jogar os cadávares no fundo do oceano. N'uruguai, a população se deparava com os corpos dos perseguidos pelo governo nos depósitos de lixo – sem maiores cerimônias. A brutalidade do regime impediu que a ferida se fechasse até hoje. Evoca-se aqueles anos apenas como protesto, na imensa maioria dos casos. A democracia uruguaia, hoje, parece consolidada. Mas esperemos pelas eleições de outubro. E também pela sequência deste relato, que esgotou o seu espaço. Haverá parte dois, muchachos.
Iuri Müller.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Crônica de uma reportagem qualquer

Tenho quatrocentas e duas ideias de reportagem por HORA. Passei os últimos três anos contando, uma por uma, para chegar a esta média. Inclusive quando dormia. Aliás, PRINCIPALMENTE quando dormia. Fiz a contagem seguindo a mais rigorosa METODOLOGIA de pesquisa. Eu juro. Está tudo guardado nessas gavetas que os CUPINS hão de comer. Planilhas diárias com tabelinhas bem divididas e números traçados a lápis. Às vezes, mil e tantas ideias. Noutras, quinze. Dependia do estado ANÍMICO.

Se não escrevo nem quatrocentas e duas reportagens por SEMANA, é porque falta algo INDEFINÍVEL. “Vontade” talvez seja um bom chute. Mas às vezes alguns projetos passam por esse grande FILTRO que é a preguiça. São levados adiante. Em maio, decidi contar sobre o Futebol Clube Rio Pardo. Resumidamente, o FCRP, que pela sigla poderia até ser uma equipe formada pelos Relações Públicas com os quais nos PECHAMOS pelos corredores do 21, é o mais novo clube de futebol profissional do Rio Grande do Sul. Foi fundado em 27 de novembro de 2008, e neste ano entrou na Segunda Divisão do campeonato estadual.

Seria mais um nome na tabela da competição e ninguém falaria a respeito. Sempre é assim. Por isso, resolvi AGIR. Não pelo Rio Pardo, mas pelo PERIODISMO puro. Entre incontáveis coisas, a graça dessa profissão CASTRADA de diploma está na possibilidade de buscar o novo. Ir atrás daquilo que ninguém havia se ATINADO e divulgar uma história. Minha memória péssima me impede de saber quem PARIU essa frase, mas certa vez alguém disse que “um escritor é quem escreve coisas extraordinárias sobre fatos banais, e um jornalista escreve banalidades sobre coisas extraordinárias”. Penso que é possível buscar a dupla extraordinariedade – no aparentemente ordinário.

Quiçá o “jornalismo literário” nos conte mais sobre isso. Não me cabe aqui fazer um TRATADO DE METAFÍSICA, assim que deixo para os registros apenas que um GARI, que em condições SÃS não receberia um trio de linhas num diário, pode render uma percepção mais interessante (e COMPREENSÍVEL) do que versões frias e EMBASADAS. Lendo assim parece uma defesa às histórias que não vendem jornais. Não é. Seguindo esse DOGMA, fiz os preparativos para a loucura de Rio Pardo, catar informações sobre uma equipe minúscula de futebol, que poderia nascer, viver e morrer sem ir para as páginas mais lidas – e nem provocar mágoas por causa disso.

Mais de uma dezena de ligações: para jornalistas locais, para a rádio da cidade e para o jornal de Rio Pardo e, finalmente, para os responsáveis pelo clube, ajudaram a construir um NORTE. Era tarde de uma quinta-feira quando obtive um número direto para contatar o senhor Tabajara Ramalho de Andrade, presidente do Rio Pardo, e marcar algo parecido com uma ENTREVISTA. Haveria jogo dali a dois dias, no sábado, e eu queria fechar a coleta de dados sobre o clube antes disso. Telefonei para Tabajara. Uma, duas, três, sete vezes. Do meio da tarde até a noite, a intervalos regulares e sem nunca ser atendido, tentei EM VÃO conversar com o homem. Às dez e meia da noite houve resposta. Questionei o VIVENTE do outro lado da linha se aquele era o número de Tabajara.

– Depende – disse-me ele.

Guardei para mim o pensamento PRECONCEITUOSO de que um atendimento daquela forma lembrava os estereótipos de CRIMINOSOS com medo de serem identificados, e mantive um diálogo. Sem saber se a pessoa era o próprio Tabajara me ENROLANDO ou algum secretário que tomava conta do celular dele enquanto o presidente fazia uma reunião (por que diabos o RIO PARDO faria reuniões às dez e meia da noite?, me perguntei), fiquei de ligar no dia seguinte. Percebi que não me levavam A SÉRIO, já que não tinha o nome de qualquer veículo de imprensa RESPEITÁVEL para anunciar a entrevista, mas com irreveláveis táticas de PERSUASÃO pude chegar às respostas que tanto queria. Atencioso, Tabajara contou os planos do clube, falou sobre a campanha e revelou que a iniciativa de criar a equipe partira da prefeitura da cidade. No entanto, garantiu: “eles não têm ingerência nenhuma”.

Às oito da manhã do sábado, o despertador do meu celular DECEPOU o que restava do meu sono e avisou: “se quer ir para Rio Pardo, acorde, CABRÓN”. Devo ter passado uma boa meia hora na cama, certo de que não precisaria fazer a viagem para ter um bom TEXTO, até concluir que deveria ESGOTAR as possibilidades de ENRIQUECER a reportagem. Levantei, me arrumei e botei uma mochila nas costas. Dentro dela, jazia O declínio do homem público, obra então onipresente entre os DISCÍPULOS de Veneza, que eu pretendia ler durante a jornada. Não me arrependi da viagem. Cheguei numa Rio Pardo que festejava seus 200 anos de história, conheci a alcunha da cidade (“Tranqueira Invicta”), podendo fazer REFERÊNCIAS a ela na versão final da escrita, e ainda ouvi muitos causos POPULARES sobre o futebol local. Além, claro, de ver o tal jogo. De alguma forma, tudo aquilo somou experiências, e em cada vírgula da reportagem havia um traço do AMBIENTE sentido por lá.

Se nada disso tivesse acontecido e tudo fosse BROCHURA, restaria o consolo de que li umas cento e cinquenta páginas do LIVRETO de Sennett, durante uma longa viagem que só foi acabar às onze da noite, quando o ônibus me DESPEJOU novamente na Boca do Monte. No domingo, com fatos, fotos e CANTIGAS, sentei-me à frente do computador e me pus a digitar. Poderia escrever umas trinta páginas. Tentei não passar de SUPORTÁVEIS três. Sou absurdamente crítico com os meus textos, acho que NENHUM deles presta, mas aquele tinha a glória do esforço. Fiz a pauta, apurei, investi tempo e dinheiro próprios e saí com uma reportagem única. Garanto que não há nada mais completo sobre o Futebol Clube Rio Pardo – e só surgirá se algum dia o time virar uma VEDETE para a grande imprensa esportiva que, via de regra, só valoriza o interior quando seus times estão bem. Mesmo que não existisse um público disposto a CONSUMIR essas informações que ninguém mais se anima a pesquisar (e há), só a perspectiva de, daqui uns anos, os rio-pardenses interessados em saber como o seu clube iniciou encontrarem aquele texto já fez valer a pena.

É um exemplo do futebol, mas poderia ser de qualquer outra área. Essa é a ESSÊNCIA do jornalismo. E vale também para o DIA SEGUINTE. Com o passar dos meses, a situação do Rio Pardo ficou menos LUMINOSA. Por razões que nunca ficaram bem esclarecidas, o dinheiro RAREOU. Os jogadores, muitos dos quais chamam Tabajara hoje de “safado”, fizeram greve e exigiram a saída do presidente – e a prefeitura, que “não tinha” ingerência sobre o time, agiu decisivamente para tirá-lo de lá. Tabajara tornou-se enormemente impopular em Rio Pardo. Para se PREVENIR de ligações de torcedores furiosos, talvez tenha sido melhor continuar dizendo “depende” quando perguntado se seria ele mesmo ao telefone.

A reportagem de Rio Pardo: FC Rio Pardo, cento e sessenta e quatro dias depois
E o comentário sobre o que veio depois: Um estádio e as suas lendas (por Iuri Müller) e O treinador interrompido (por mim)

Maurício Brum.

Gritos do Silêncio - The Killing Fields


Em 1975, o Camboja é um país devastado. A Guerra do Vietnã se estende até suas fronteiras, e um conflito interno entre tropas governamentais e o Khmer Vermelho (ou Khmer Rouge, partido comunista de orientação maoísta que ameaça tomar o poder) coloca o país em colapso. Sydney Schanberg é um jornalista americano correspondente do New York Times no Camboja. Durante esse conflito, ele conhece o também repórter e seu intérprete Deth Pran. É do ponto de vista dessa aliança entre os dois profissionais e da amizade nascida dela que se desenvolve o filme Os Gritos do Silêncio (The Killing Fields, 1984). Ganhador de 3 Oscars (Melhor Ator Coadjuvante com Haing S. Ngor, Melhor Fotografia e Melhor Edição), o filme dirigido por Roland Joffé intercala uma lição política muito forte com a compaixão e a amizade.

O filme inicia com a chegada de Sydney no Camboja e contatando Pran. Um bombardeio em Neak Luong os leva a cruzarem o rio Mekong para cobrirem o acontecido. A personalidade perseverante de Sydney começa a ser delineada: ele não aceita a negativa para chegar até lá. Apesar do acesso ao local do bombardeio estar bloqueado, exige que Deth Pran intervenha junto aos locais e consiga o transporte.

Sydney é destemido. Desafia o exército americano através do poder que tem em mãos: “Eu irei citá-lo”, ameaçava os oficiais. O exército manipula dados de mortos e feridos e ele questiona o silêncio quanto aos ataques. Presencia, nessa expedição a Neak Luong, execuções pelas tropas governamentais do Camboja de guerrilheiros do Khmer Vermelho. Lá, por tentar obter fotos, é mantido preso até a chegada do resgate pelo exército. A repressão à imprensa fica marcada ao longo de todo o filme, em todas as suas variantes: seja impedindo de noticiar, amenizando situações graves (como fazia a assessoria da Casa Branca, no caso do bombardeio americano) ou mesmo com a execução de jornalistas durante os conflitos.

Com o avanço da guerra, o temor leva muitos a deixarem o país. Pran demonstra sua preocupação, sobretudo por sua família.
- Eu me sentiria um imbecil cobrindo a guerra em uma mesa em Bangkok - diz Sydney.
- O futuro pode ser muito ruim se a guerra seguir dessa maneira - replica Pran.
- O que você acha? – indaga Sydney
- Não sei.
- Eu também não. Sarun está lá embaixo. Vamos?
- Está bem.
Com sua sugestão, Sydney parece afastar a profundidade do diálogo, protelando uma decisão que precisaria ter sido tomada. Apesar de ainda preocupado, Pran segue. Sydney afasta estas questões delicadas. Ele precisa de Pran, tanto para tradução como para auxiliar no envio de reportagens. A expressão atrás de uma mesa faz uma referência clara a uma rotina burocrática, a uma postura de afastamento e, de certa forma, medo. Não admitiria estar encastelado num escritório fora da linha de combate. Para ele, o ofício jornalístico precisa estar in loco, precisa presenciar. Fora dessas circunstâncias, a cobertura se torna uma idiotice, feita por pessoas que não compreenderiam a dimensão e o papel do jornalista. Mais tarde, já de volta a Nova Iorque e jornalista premiado, ele admitiria para a irmã que nunca deu escolha a seu amigo: teria discutido o assunto seriamente com os outros jornalistas, mas nunca com Pran.
Após essa conversa, Sydney o registra, juntamente com sua família, como seus dependentes e consegue a remoção deles para os Estados Unidos. Diz que a decisão da situação está em suas mãos; emocionado, quando perguntando se deseja partir ou ficar, Pran responde: “Eu sou um repórter também, você entende?”.


Claramente o americano ignora as condições diferentes em que se encontram. Sydney não se esquece de enfatizar sua cidadania americana em diversas situações e até evocar emendas da constituição dos Estados Unidos. No entanto, ele negligencia o fato de que ao final do conflito, estará mais protegido do que o repórter cambojano. Os EUA teriam, evidentemente, mais meios e influência para proteção dos seus cidadãos, enquanto o Camboja, nesse sentido, é um estado inexistente. O apoio virá para ele e para os europeus, mas não para Pran e outros nativos. A atitude aceitável seria incentivar sua partida, já que seria a última oportunidade, a hora certa para que não acabasse preso àquela realidade, que tendia a piorar. Caberia ao americano forçar a partida do colega ou ele assume seus próprios riscos ao fazer embarcar sua família e optar por permanecer? Vemos como ele pode colocar em risco sua própria vida, em nome de um sentimento de dever muito forte. Quando Pran argumenta que “também é um repórter”, sugere que esse fato implica uma irmandade entre os dois, acima do valor de suas vidas.




As tropas governamentais não conseguem conter o avanço na capital Phnon Penh. A invasão pelo Khmer Vermelho não encontra mais resistência. Sydney e os demais jornalistas acabam prisioneiros do partido, cuja organização realiza execuções indiscriminadamente. O cambojano se voluntaria para juntar-se ao grupo e acaba intervindo para evitar a morte de todos. Após livrarem-se do poder dos membros do partido - agora governo do Camboja - ficam confinados na Embaixada Francesa aguardando por resgate. Ele chega, mas não para todos: para Pran e os demais nativos ali escondidos, o destino era permanecer no país dominado por um governo autoritário e genocida. A tentativa de forjar um passaporte britânico para Deth Pran é uma demonstração de gratidão dos jornalistas europeus e americanos. Desesperado para conseguir um filme e uma máquina para obter uma foto para o falso passaporte de Pran e, assim, fazer com que ele consiga também ser resgatado, Sydney interpela um homem com uma criança no colo:
- Você tem uma máquina fotográfica?
- Sim...
- Você tem filme? – pergunta ele, esperançoso.
- Não... Também não tenho um remédio para dar a essa criança que está morrendo de diarréia.
A resposta do homem está como a dizer: “Ei, seu jornalistazinho, está pensando em suas fotos numa hora como essa?”. No entanto, ele ignora que Sydney também está tentando salvar uma vida: pelo que viu e viveu no Camboja sob o poder daquele partido, ficar é sinônimo de morrer. A empreitada acaba mal-sucedida: a foto até existe, mas pela revelação precária, acaba apagando-se sem deixar tempo para a partida. Sydney embarca rumo aos Estados Unidos, atormentado pela idéia de ter deixado seu companheiro para trás. Apesar do reconhecimento pela cobertura de guerra e do prêmio de Jornalista do Ano, que recebe em seguida ao seu retorno ao seu país, ele sabe o quanto deve a seu amigo.

Pran acaba nos campos controlados pelo Khmer, onde vive uma realidade de escravidão e repressão. Formado por dissidentes do Partido Comunista da Indochina, previam também, uma Revolução Cultural. Ou seja, uma completa destruição do passado: “país novo feito com um homem novo”, como era o lema. Numa assembleia, um dos líderes declara: “quem quer que tenha sido professor, médico, estudante, o partido precisa de vocês e os perdoa”. Muitos se voluntariam e nunca mais foram vistos.

Nesse ambiente, Pran precisa fingir que não compreende inglês ou francês. “Só os mudos sobrevivem”. As crianças são consideradas ainda não corrompidas pela mentalidade ocidental, que segundo o partido dominava o Camboja. Crianças essas armadas, realizando execuções e ensinadas a destruir o valor da família: num quadro negro, um menino marca com um x pai e mãe e desfaz as mãos dadas deles com o filho; é aplaudido por todos. Em nome de uma utopia agrária, passam fome, mas são proibidos de terem suas próprias plantações. Empreendendo uma jornada sobre-humana, passando pelos desafios do esgotamento físico, da perseguição e das minas terrestres, o jornalista acaba alcançando as fronteiras do país e é socorrido pela Cruz Vermelha.

“Se houvesse alguma chance eu iria procurá-lo”. A chance acontece com a mensagem enviada por Pran ao chegar ao posto de refugiados. Sydney parte para resgatá-lo, não traindo o que disse a Sarun na noite da premiação, quando foi acusado (por um jornalista que estivera com eles na missão) de ser responsável pelo destino trágico de Deth Pran. No encontro emocionado, Pran não o perdoa: não havia, segundo ele, nada a perdoar. Sydney, em sua visão, fez o que precisava ser feito: tudo possível para trazer os horrores da guerra ao conhecimento do público. Para ele, esse dever valia todos os riscos.



Giuliana M. Seerig.