domingo, 20 de setembro de 2009

Protesto

Domingo de sol depois de uma semana de chuvas contínuas. A cidade respira um sentimento regionalista, típico de 20 de setembro. Almoço em família, futebol na TV... Tudo conspirava para um belo desfecho de semana, se não fossem aquelas bandeiras. Aquelas malditas bandeiras.


Mescladas à batida das vaneiras e ao resmungo das gaitas, elas tremulavam. De um lado da rua o 11, do outro o 15. O azul e o vermelho. De um lado o fisiologismo, do outro também. De um lado a compra de voto, do outro (adivinha!) também. Eram elas a causa da constante sensação que me acometia de que algo estava errado. Provavelmente eram também o motivo da minha gastrite ter se intensificado.


Ouço de relance: “... sirvam nossas façanhas de modelo a toda Terra...”. Nossos queridos representantes fazem chacota com nosso voto, são cassados, se candidatam novamente, são impugnados, repetem as chacotas, e querem que tais façanhas sirvam de modelo para qualquer coisa. E as pessoas, por algum motivo que eu desconheço completamente, balançam fervorosamente aquelas malditas bandeiras. E não sentem vergonha nem nada.


Existe alternativa? Se existe, se esconde bem escondida. Esperança existe, mas também não sei até quando. Mas eu dormirei tranquilo, e minha gastrite acalmou. Votei 99.

domingo, 13 de setembro de 2009

Diálogos possíveis (?)

Dois amigos andando em algum canto de fronteiras indefinidas. Param num frichóp.

– Entrar num aeroporto e sair sem porcarias de frichóp não dá.
– Dá. É só não ter dinheiro.
– Mas nós temos.
– Tu tens.
– Bom dia, em que posso ajudar?
– Roupas.
– O homem vem num frichóp para comprar roupas...
– Sou eu quem tenho dinheiro, não?
– Sou eu quem impede que tu gaste em qualquer coisa.
– Não é.
– Elas estão por aqui. Deem uma olhada, eu volto logo.
– Tem umas coisas legais de grife aqui.
– Não tem nada que preste aqui.
– Olha essa calça.
– Jeans normal.
– Não é um jeans normal.
– É azul.
– Índigo.
– Como todos os outros.
– É um jeans de marca por um terço do preço que custa em casa.
– Não quer a lingerie? Está barata. É claro que tu quer.
– Eu costumo usar roupa íntima masculina.
– O que é bem inteligente da tua parte.
– Vamos ver o que mais tem por aqui. Olha aqueles charutos.
– Eu não quero um câncer.
– Não é pra ti. E além do mais, grandes homens abonados fumam charutos.
– Ainda estou concentrado em chegar a “abonado”.
– Não tem nicotina e nem alcatrão num charuto.
– Agora tu diz que esses são de primeira linha.
– E são.
– Charutos são mais prejudiciais que cigarros.
– São menos viciantes.
– São tão ruins quanto.
– E maconha?
– Que que tem?
– E maconha, presta?
– Cheira melhor.
– Cheirar é melhor? Como se cheira maconha?
– Não, a fumaça. A da maconha tem um cheiro melhor que a do resto.
– Critério bem válido esse teu.
– Olha lá a mulher oferecendo uma tequila.
– Quem sabe nós não compramos uma...
– Da lingerie pra tequila, passando por charuto...
– Eu só quero carregar algo daqui.
– Desesperadamente, pelo jeito.
– Frichóp é assim. Dispara o meu lado consumista.
– Bom, o dinheiro é teu mesmo.
– Quais as tuas intenções com isso?
– Te fazer gastar menos?
– Se tu quer acreditar nisso... O que eu quero é comprar alguma coisa. Aquela tequila mesmo, quem sabe.
– Tequila é a bebida alcoólica que mais leva mulheres para a cama.
– Quem disse?
– A ciência.
– Essas coisas eu calculo por experiência própria.
– Tem uma pesquisa de uns ingleses lá, que diz isso.
– Concluíram de forma empírica?
– Vou saber...
– Se fizeram, são geniais. Vou virar pesquisador na área.
– E a bebida mais brochante é o vinho. Aliás, não é brochante, mas não dá muito certo.
– Só se for contigo.
– Nunca tentei com vinho.
– “Nunca tentei”, ponto, tu devia dizer.
- ...
– Bom, a mulher não aparece mais. Dá uma olhada aí enquanto eu vou no banheiro. Fica com o dinheiro, caso eu demore pra voltar.



– E então, escolheram alguma coisa?
– Meu amigo vai querer levar aquela lingerie. Pode embrulhar.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Raiva paulistana

Hoje, São Paulo me enoja. Não sei como vivi por tanto tempo aqui. 17 anos. É muito tempo. Se não fosse por família e amigos não voltava, nunca, mesmo. Esses mais de 13 milhões de paulistanos têm orgulho de quê? Da poluição descontrolada que mata, pouco a pouco, a pequena fauna que lhes sobra? De ser a cidade mais rica da América Latina, quando, ao andar por suas ruas, se vê, mendigos e mais mendigos. Jovens com suas vidas destruídas pelo crack, a única maneira de escapar da realidade, de não perceber que se é a ponta mais fraca nessa nossa desigual desigualdade social.

Têm orgulho desse escapismo das classes favorecidas, que se trancam em seus apartamentos e carros blindados, fingindo nada ver, e sentem-se seguros, sentem-se livres? De essa vida impessoal ao extremo, onde se aprende a arte de desviar de tantos corpos, inimportantes, em meio às sempre lotadas e movimentadas ruas? De explorar o pobre, e ao ver um pequeno sorriso em seu rosto, orgulhar-se de viver no país mais feliz do mundo? Têm, têm orgulho de tudo isso. Mas têm porque acham que só isso é vida. Quem dera todos os paulistanos conhcessem a vida em outra cidade...

Afinal "não adianta mesmo ser livre, se tanta gente morre sem ter como comer".


Texto escrito por este paulistano, em um momento de extrema negação de suas origens, ao passar uma tarde de domingo no abandonado centro de sua cidade natal.