Quem precisa esperar em uma rodoviária está acostumado a ter sua moral importunada por pedintes das mais variadas espécies. Surdos que ouvem o barulho de nossas moedas e bêbados que precisam comprar leite pra criança. Gabriel era diferente. Não estava pedindo, estava dando. Um pedaço de papel, com um pequeno texto. Ou, como diria Gabriel, um folhetinho.
Os olhos brilhantes e a voz fina eram comoventes. Até intimidadores seriam, não se tratasse de uma criança.
- Tio, ó um presente.
Eu já estava o dispensando, ligeiramente irritado por ter sido assustado e ter tido minha leitura interrompida, quando assimilei o que ele havia me falado. Presentes são surpreendentes onde, em geral, só se pede.
Devido à peculiaridade do fato, prestei-me a receber e ler o tal presente de Gabriel. Era uma passagem bíblica, Provérbios, 22.6. “Eduque a criança no caminho em que deve andar, e até o fim da vida não se desviará dele”.
Sete anos recém feitos, Gabriel, por ironia, não fazia ideia do que a mim entregava. Mesmo na segunda série, não sabia ler. Talvez tivesse se desviado um pouco de seu caminho. Mas já sabia escrever o nome, o que prontamente fez no folheto.
Fora a mãe quem havia lhe pedido que entregasse os folhetos.
- A mãe sempre me pede pra entregar folhetinho, afirmava o mensageiro de Deus.
Distante do filho e distraída em conversas, a mãe de quando em vez corria os olhos no saguão da rodoviária, buscando saber onde andava Gabriel. Alguma mente incriminadora talvez a comparasse com um patrão, esperando seu empregado cumprir o serviço que lhe foi destinado.
Pergunto a Gabriel se ele estava ganhando alguma coisa pra entregar os folhetos.
- Ela vai me dar um homenzão desse tamanho, dizia o guri, e marcava a altura na cintura.
Gabriel se despediu de mim e seguiu na sua insistente missão, vazia de ideologias e de profundos conhecimentos, mas cheia de humildade. Talvez a fizesse por servidão. Talvez por inocência, talvez por chantagem. Mas, com certeza, a fazia por humildade. Pois aquele que é o mais humilde entre nós, esse é que é o mais importante.