sexta-feira, 31 de julho de 2009

O contra-ataque do zumbido




Era a última aula de Sociologia da Comunicação no semestre. O ritmo, no entanto, não diminuiu em relação àquele com o qual me acostumei a ter nas quintas-feiras do semestre inteiro: temas densos, mas pontuados com muitas referências, fossem televisivas, literárias, cotidianas. Falava a professora VENEZA MAYORA sobre um canal da TV paga – ela não identificou qual – que mostrava um documentário sobre a montagem do show dos Rolling Stones no Rio de Janeiro. Os organizadores norte-americanos criticavam os trabalhadores brasileiros contratados que, a cada vez que passava uma mulher bonita na praia, paravam o trabalho para observar. Depois ainda demoravam em voltar às suas tarefas: imaginemos a freqüência com que isso acontecia, em plena Copacabana. Dizia ela que era um absurdo os organizadores criticarem o modo de, digamos, o brasileiro apreciar a própria beleza brasileira. “É um modo colonial de nos olhar. Nós, os tropicais”, dizia ela (nós, locados na boca dos montes santamarieses, tropicais? Quanto temos de identificação com a brasilidade dos trópicos, nós aqui abaixo do paralelo 30? Mas essa discussão fica para uma próxima).


Fiquei com a idéia em suspenso, até me deparar com um comentário da coluna de Mário Marcos, na Zero Hora, ainda sobre a Copa das Confederações. Sim, ela já acabou há mais de mês, mas requento aqueles episódios para falar de outras cositas. Admito não ser leitora assídua do caderno de esportes, excetuando as colunas do David Coimbra, que fala de futebol só no último parágrafo. Naquele dia, no entanto, não foi só sobre placares e dribles que tratou a coluna: falava Mário sobre as equipes de TV da Holanda que procuraram o presidente da FIFA para pedir que as vuvuzelas (palavra zulu que significa ‘fazer barulho’), as de fato barulhentas cornetas usadas pelos sul-africanos fossem proibidas. Simples assim: a esmagadora maioria dos sul-africanos leva suas vuvuzelas aos estádios, gosta delas, adora fazer barulho com elas, e aí os Holandeses querem silêncio e pedem que a FIFA as proíba. Os jornais daquele país reagiram, criticando a soberba holandesa e ainda fecharam com: - Não gostaram? Voltem pra casa. Fez bem a imprensa sul-africana, dizia Mário Marcos. E o presidente da FIFA, suíço com toda diplomacia, não proibiu coisa alguma, ainda declarando que “Censurar a forma com que alguém expressa sua alegria é discriminação”.


Claro que há, em certos casos, um certo nacionalismo burro, uma defesa automática. No colégio em que eu estudava, certa vez uma intercambista escandinava reclamou que os carros em Santa Maria nunca paravam para que os pedestres pudessem atravessar a rua. Um colega, num arroubo, disparou que “ela é uma enjoada, quer sempre as coisas do jeito dela, aqui é nosso país”. Mas a verdade é que eu também sentia isso, que talvez fosse melhor se os motoristas fossem mais educados, afinal admirávamos as cidades em que a civilidade se traduzia no trânsito e por aí vai. Não era simplesmente uma questão de preferência da garota, ou mera tolerância a costumes, mas verdadeiramente uma questão de segurança e de educação. Contra esse tipo de reação irrefletida, precisamos lutar contra: o primeiro passo para superar o subdesenvolvimento é ter consciência dele.


Ah, mas as cornetas são chatas mesmo, suspiraria alguém. Não duvido: meu vizinho de 7 anos tem uma corneta, uma só, soprada com a capacidade de um pulmão de criança e ela incomoda o suficiente. Mas não é isso que está em questão. A pergunta não é: “nós gostamos das vuvuzelas?” e sim: “nós podemos pedir isso?”. Estamos falando de outra coisa: respeito. Se no exemplo da professora se poderia pôr em questão se era mesmo um ‘modo colonial’ de olhar para os brazucas ou se os caras estavam dando mesmo uma de folgados (já que estavam em serviço) curtindo o clima praiano, na atitude em relação aos sul-africanos é um colonialismo flagrante. Nós mesmos, apesar do complexo de vira-lata, em se tratando do continente-mãe, também olhamos de uma forma distorcida: quantas vezes já ouvimos o senso comum falar sempre África, como se fosse um país, esquecendo que é um continente enorme, cheio de particularidades. E fazemos o mesmo com Paraguai, Uruguai, Bolívia: olhamos de cima para baixo. São questões delicadas, há que se ponderar, sempre, sempre.


E enquanto baixava a poeira da polêmica, os sul-africanos criaram a kuduzela. Uma ótima e barulhenta Copa de 2010 para todos nós!


[Texto publicado anteriormente em http://www.futebesteirol.blogspot.com/ ]

Nenhum comentário: